MINHA TRAJETÓRIA NO BANCO DO BRASIL - PARTE 2 - DICAM - DIRETORIA DE CÂMBIO


Requisitado pelo Diretor Charles Pullen Hargreaves no final de 1965, apresentei-me ao seu chefe-de-gabinete José Fernandes de Luna logo no início de 1966.

Muito tempo depois tomei conhecimento do porquê dessa inesperada transferência. 

Eu havia comentado com minha avó paterna que estava muito feliz trabalhando no BB, na mesma Carteira de Câmbio onde meu pai labutou por tanto anos e onde nós íamos encontrá-lo muitas vezes ao final do expediente. 

Até hoje não sei como ela soube ou descobriu que o Diretor de Câmbio era o Charles Hargreaves, filho de uma amiga sua de muitos anos e que havia sido colega de meu pai antes de ser aceito, como voluntário, na AGEFEB, agência criada em 1944 para fazer o pagamento dos pracinhas brasileiros que se encontram na Itália. 

Segundo fiquei sabendo muitos meses depois, apesar de seus 87 anos, ela pegou uma condução e foi fazer uma visita surpresa ao Diretor Hargreaves. Lá chegando se identificou como amiga da família e deu o nome pela qual era conhecida: Nazinha Youle.

O Diretor quando soube de sua presença foi recebe-la na porta, foi extremamente simpático e indagou o motivo da visita. Ela lhe contou que o filho do Bertinho, como era conhecido meu pai, havia prestado concurso e estava trabalhando em um setor da Carteira de Câmbio e ela estava lá para pedir que ele olhasse por mim.

Ela na ocasião não me falou nada e eu confesso que fiquei muito surpreso no dia que o então chefe da CREDI me chamou e disse que eu descesse ao segundo andar porque o Luna, chefe de Gabinete do Diretor queria falar comigo.

Muito depois eu soube que o Hargreaves, logo após a visita de minha avó, pediu ao Luna que indagasse a meu respeito e que se as informações fossem boas, guardasse meu nome para a primeira vaga que ocorresse no Gabinete.

Ainda naquele ano de 1965 ocorreu a licença de um dos Secretários, por motivo de saúde, e foi nessa ocasião que eu fui chamado para uma entrevista e, logo a seguir, requisitado em caráter de substituição como Auxiliar de Gabinete.

Ao chegar na DICAM encontrei dois colegas com quem havia trabalhado na CREDI, Manoel do Espírito Santo e Helmut Wimmer e,na ocasião conheci o João Maria Stefanon, excelente funcionário e que fez bela carreira no Banco.

                                    Stefanon e M. Espírito Santo no início de 2000, no Rio


Fui designado para auxiliar o Rubem Vieira Xavier de Brito no protocolo do Gabinete. Tudo que entrava e saía tinha que ser registrado.  Como o Xavier era extremamente metódico não apenas registrava, mas indexava os assuntos e fazia um resumo dos assuntos e transcrevia os despachos e decisões que antes e depois de transitarem pelo Gabinete. Dessa forma, mesmo sem termos bancos de dados, ou cópias daqueles imensos processos, havia uma maneira simples e rápida de verificar, pelo assunto ou pelo nome da empresa, todos os passos, votos e decisões que lhe eram pertinentes.

Isso fez com que eu me familiarizasse com a natureza dos processos, acompanhasse seus andamentos e entendesse as decisões, isso porque para resumir a ficha de protocolo era necessário ler os pareceres técnicos e os respectivos despachos das instâncias anteriores e, finalmente, do Diretor.

Nos anos que trabalhei ao lado do Xavier foi se consolidando uma grande amizade, que depois foi estendida para seus dois filhos e famílias. No capítulo que dedicarei aos amigos, Cesar e Bernardo lá estarão, com destaque. Infelizmente, Bernardo e sua mulher Alice já não estão entre nós mas foi uma longa convivência aqui no Rio de Janeiro, em Nogueira, onde eles tinham uma casa muito acolhedora e em New York quando os hospedei e de lá fomos ao Canadá.

Em 1967 o Hargreaves foi substituído pelo Genival de Almeida Santos e pela primeira vez passei por aquele desconforto de colocar o cargo à disposição. E eu ainda estava na condição de substituto de Auxiliar de Gabinete.

Meu casamento aconteceria em outubro e aquela substituição no Gabinete representava um reforço significativo no meu orçamento.  Comecei a indagar quem conhecia o Diretor que estava para chegar e depois de várias tentativas tomei conhecimento que ele era amigo do Mário Miranda Muniz, ex-Gerente de Câmbio, pessoa também muito conhecida e conceituada no Banco. Por uma grande coincidência o Mário e sua esposa Lourdes eram muito amigos de meus pais e eu resolvi fazer-lhes uma visita. Na ocasião ele morava no Meier, na rua Alan Kardec, e eu lhe telefonei e lá fui com minha noiva.

A visita foi muito cordial e ele entendeu perfeitamente minha preocupação, pois havia passado por momentos assim no passado e sabia perfeitamente o quanto significava perder uma comissão, ainda mais naquelas circunstâncias.

Na semana seguinte o Diretor Genival tomou posse e a primeira visita que recebeu no Gabinete foi do Mário Miranda Muniz. Nunca esqueci desse gesto e demonstração de gentileza e amizade dele para comigo, em memória de meu falecido pai.

Durante alguns meses ainda fiquei na condição de substituto mas na primeira oportunidade de remanejamento, ocorrida com o falecimento de seu chefe-de-gabinete Wenner Boscacci, promoveu um dos Secretários e me nomeou Auxiliar.

Genival, paraibano de Campina Grande, era professor de economia em Universidade do Rio, muito conhecido e respeitado nos meios acadêmicos, mas não tinha conhecimentos de câmbio e dependia de uma boa equipe para a Carteira enfrentar os desafios da época, inclusive o projeto de implantação do Câmbio de Conta Própria, visto que o BB até então fazia tudo por conta e nome do Governo Federal.

A equipe era de primeira qualidade, na qual se salientavam Eduardo de Castro Neiva e Edgardo Amorim Rego, ambos piauienses.

Entretanto, o Genival não durou muito tempo porque fez uma declaração sobre política cambial  que desagradou os meios políticos, e pediram sua cabeça.  

Para o seu lugar foi designado o então Gerente de Câmbio da Agência Centro de São Paulo, pessoa da amizade e confiança do Delfim Netto, Cesar Dantas Bacellar Sobrinho.

                                                     Bacellar, no avião do BB em 1985


Eu o conhecia superficialmente de vez que ele participava das reuniões preliminares da implantação do Câmbio de Conta Própria e várias vezes, nos intervalos das reuniões, ia mesma sala em que eu trabalhava, para telefonar para seu Adjunto na Ag. Centro de São Paulo.

Aconteceu aquele mesma história de todo mundo escrever cartas e colocar o cargo à disposição, só que dessa vez eu me sentia mais confiante, primeiro porque já era efetivo e segundo porque já tinha um trabalho para mostrar e o conhecimento e suporte dos demais colegas do Gabinete.

Com alívio soubemos, logo no primeiro dia, que ele não iria substituir ninguém e que apenas traria um chefe de gabinete de sua confiança, da agência de SP, Nilo Bessa Ferreira.

                                                            Nilo Bessa, chefe e amigo


Foram muitos anos de trabalho profícuo e de conquista de confiança e amizade. O Bacellar era um homem do bem, grande conhecedor de câmbio e contabilidade. Implantou o Câmbio de Conta Própria e desenvolveu a Carteira de Câmbio no máximo de sua capacidade. 

Não muito tempo depois fui promovido a Secretário e assumi novas responsabilidades. Fiquei responsável pelo contato com clientes, agenda, inclusive de viagens, organização de reuniões e administração do pessoal. Éramos 4 Secretários e 4 Auxiliares além do Chefe de Gabinete e sete contínuos.

Sob a gestão do Diretor Bacellar, seu chefe de gabinete Nilo Bessa Ferreira e do Superintendente Edgardo Amorim Rego, o Câmbio era a Carteira mais lucrativa do BB.

No início de 1984, o então Chefe-de-Gabinete aposentou-se e para surpresa de muitos, que esperavam uma nomeação técnica, o Bacellar colocou como fator primeiro a confiança e a amizade. Lembro-me do dia que me chamou e disse que eu seria o chefe-de-gabinete mais moço que ele tinha conhecimento no BB. Estava eu com 43 anos de idade e 21 de banco. 

Na área técnica ele tinha o respaldo do Superintendente de Câmbio,  Edgardo Amorim Rego, seu substituto eventual, e pessoa que além de sua confiança, dominava todos os assuntos da Carteira, e tinha o controle de tudo que se passava nos Departamentos de Câmbio das agências pelo Brasil. 

Em março, dois meses depois, em meio a uma crise de crédito para nossas exportações, o Eximbank dos Estados Unidos disponibilizou uma linha de crédito de valor muito significativo e que, caso concretizada, representaria um alívio para nossa balança comercial.

O Edgardo foi encarregado de chefiar o grupo que prepararia a concorrência para a escolha do banco que seria nosso agente na operação nos USA, e durante duas semanas, fizemos muitas reuniões e trocas de mensagens com diversos bancos até que, finalmente, foi escolhido o Chase Manhattan Bank e na última semana de março embarcamos para New York para as primeiras reuniões. Conosco foram o Dr. George Siqueira, Consultor Jurídico e os colegas Sócrates e Fetter. De lá fomos para a sede do Eximbank, em Washington D.C., e adiantamos os termos e condições para que o contrato fosse fechado.

                            Dr. Siqueira e eu no Museu da Nasa em Washington. Março de 1984


Até maio de 1984 prosseguiram os entendimentos à distância e de repente surgiu uma outra oferta de linha de crédito, dessa vez pelo Eximbank do Japão.  E lá fomos Edgardo e eu para Tóquio já agendando a volta por NY e Washington para finalizar os entendimentos da primeira linha de crédito.

                       Edgardo e eu no Japão. Passeio a Kyoto no fim de semana. Maio de 1984


Fomos muito bem sucedidos e os entendimentos para as assinaturas dos contratos foram finalizados.

Dois meses depois voltei a Washington, na comitiva encabeçada pelo Presidente Oswaldo Colin e o vice da área internacional, Eduardo de Castro Neiva, para a cerimônia de assinatura do contrato com os norte-americanos e à noite jantamos no hotel onde estávamos hospedados. Na saída do jantar passamos na porta do piano bar e me pediram para dar uma "canja".  Só não sabíamos é que estava rolando no mesmo horário um show da Astrud Gilberto.

                                 Eduardo de Castro Neiva, voltando de Brasília no avião do BB


Eu pedi licença ao pianista e toquei algumas músicas e de repente os músicos da Astrud que iam saindo do show escutaram música brasileira e foram para o bar, pegaram seus instrumentos e virou bossa-nova session.  Foram 15 ou 20 minutos de muita música e muito prazer. Ao final, nos abraçamos, agradeci e quando já ia embora olhei para o piano e vi aquele enorme cálice cheio de dólares e o pianista quase chorando de emoção (e agradecimento pela féria inesperada).

O ano terminou e veio a Nova República. Bacellar, já de saída, me chamou e disse que estava mais tranquilo sobre minha situação porque soube que seu substituto seria o Wimmer, com quem trabalhei na CREDI e na própria DICAM e que, na opinião dele, com certeza não me substituiria, o que de fato aconteceu.

O Wimmer pediu que eu continuasse no cargo e juntos fomos para Brasília para a cerimônia de posse do Presidente Camillo Calazans e sua diretoria. Nesse dia conheci o novo presidente, Camillo Calazans e o novo Diretor das Agências do Exterior, Delauro Baungratz.  Para Vice-Presidente da Àrea Externa tinha sido indicado um velho conhecido, José Luiz Silveira Miranda, amigos de meus primos Vera e Roger Hipskind, na casa de quem, em diversas ocasiões eu o acompanhei ao piano. O Miranda sabia de cor uma grande quantidade de sambas-enredo e em todas as festas era requisitado para animar o fim de noite.  Daí foi surgindo uma boa camaradagem que depois se transformou também em amizade.

Passei a acompanhar o Diretor Wimmer nas reuniões semanais da Diretoria do Banco em Brasília. Mais de uma vez lembro que o Wimmer chegava na porta e dizia: vamos para Brasília. E eu já tinha uma muda de roupa em uma mochila para estar prevenido.

O Wimmer, ou Hellmut (como eu lhe chamava)  era um bom companheiro e se demonstrou um bom amigo, mas tinha um gênio muito difícil e era muito exigente com os funcionários e clientes. Ele sabia que eu gostaria de ser nomeado para uma agência no exterior e lá terminar minha carreira, mas me disse francamente que, depois de passar tantos anos fora do Brasil, em Hamburgo e Londres, precisava ficar muito seguro do funcionamento da Carteira de Câmbio, das pessoas com quem iria trabalhar e dos clientes pelo Brasil. E por isso pediu que eu tivesse paciência e que depois de um ano ele me liberaria. 

Realmente foi um ano de muito trabalho e de reuniões regionais para que o ele conhecesse os Gerentes de Câmbio das agências e se inteirasse dos problemas e características de cada segmento que pleiteava financiamentos e adiantamentos sobre contratos de câmbio.



                                 
                                    Reuniões do Câmbio em Manaus, Caxias do Sul e Joinville


Nessa ocasião estávamos em São Paulo, saindo de uma reunião, quando ainda no carro o Wimmer me deu uma notícia que me fez gelar. Disse-me ele que na semana seguinte e daí para frente, por designação do Vice-Presidente Miranda, eu seria seu substituto eventual nas reuniões da Diretoria do Banco. 

                                                         Com o J.L. Miranda, bom amigo


Eu sabia que, por força das viagens dele e do Vice, essas substituições seriam constantes e na mesma hora eu me imaginei na frente da Diretoria, em Brasília, tendo que estar preparado para defender e explicar despachos e decisões técnicas nos processos, concessão de limites extraordinários, operações de caráter especial etc

O entrosamento do Wimmer com o Vice Presidente da Área Internacional, José Luiz Miranda (que foi o gerente instalador da Agência de New York) e com o Diretor das Agências do Exterior, Delauro Baungratz foi fator fundamental para que eu tivesse a oportunidade de ser nomeado para New York quando vagou uma Gerência, então ocupada pelo Esdras Beleza do Nascimento, dublê de funcionário e escritor.

Fui convidado pelo Delauro na tarde de uma sexta-feira, dia de St. Patrick, para alegria minha e de meu filho, aflição de minha mulher e desagrado de minha filha, que por sinal só ficou lá um ano e voltou.

As más línguas e desafetos, que infelizmente angariamos - mesmo sem querer - e principalmente os invejosos e aqueles que esperavam ser chamados em meu lugar, comentaram na época que o Banco estava substituindo um escritor por um pianista.  Como dizia o Ibrahim, "os cães ladram e a caravana passa"...

Na próxima parte discorrerei sobre meus anos no BB-NY.


 



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