TEMPOS DE MÚSICA – PARTE 2

 

Em uma manhã de sábado, no início de 1958, chega em minha casa no Grajaú o amigo Artur Vital (Tutuca), morador do bairro, funcionário da PREVI e cantor amador que sempre se apresentava nas tardes e manhãs dançantes da Atlética do Grajaú.

Muito agitado e dizendo que tinha acontecido uma “lavagem cerebral”.  Pediu-me para ir até o piano e disse que eu tinha que aprender algo totalmente diferente e moderno que ouviu naquela manhã.

Começou a cantar e depois a solfejar nada mais nada menos que “Estrada do Sol”.  Quando chegou na segunda parte “Quero que você me dê a mão, vamos sair por aí” mandei parar e perguntei se ele não estava desafinando. E aí foi que eu saquei que algo diferente estava acontecendo. Ele então me disse algo que nunca esqueci: isso é tão moderno como é significativo o nome do compositor: TOM.

Daí pra frente ouvi o “Chega de Saudade” no LP Canção do Amor Demais, da Elizeth, cujo acompanhante ao violão era o João Gilberto já com a sua batida.

Logo após veio o LP do João e daí passamos a conhecer o Desafinado e todo aquele rosário de músicas novas ou revisitadas (Doralice por exemplo) com aquele gostinho de intimidade e modernidade.

Foi uma realmente uma lavagem cerebral.... Surgia a BN e trazia com ela um time de primeira, que há muito já compunha, tocava e cantava em reuniões em apartamentos como o da Nara Leão, entre eles Carlos Lyra e Roberto Menescal.

Passei a conhecer o pessoal da BN  no apto. do amigo e baterista amador Djalma Delforge, que com sua irmã Maria Cecília promovia reuniões semanais todos os sábados em seu apto. de Copacabana, quando alugava filmes (16 mm) e após a sessão de cinema era música até a madrugada. 

O duo, Djalma e eu, em seu apto. da Av. Atlântica, acontecia todos os sábados

Entre os muitos que conheci nas reuniões do Djalma destaco o Tenório Junior, que tocava muto bem piano e acabou seguindo carreira profissional chegando a gravar inclusive. Entretanto, foi vítima de um engano trágico. Em uma excursão em Buenos Aires, onde foi acompanhar o Vinicius de Moraes, ele saiu do hotel para comprar cigarros na esquina e nunca voltou. Foi confundido com um terrorista, torturado e morto.

Desses primeiros tempos de música deixei para o fim justamente o mais talentoso, o melhor de todos e o que fez mais sucesso aqui e nos Estados Unidos, onde mora até hoje.

Eumir Deodato, foi o músico mais completo que conheci. Lembro dele lá em casa, no Grajaú, ensaiando e aborrecido porque nós não conseguíamos fazer o que ele queria e imaginava. Na verdade, o que ele queria estava além de nosso alcance. “Seu” Deodato foi levá-lo lá. Eles moravam em Laranjeiras e como éramos menores não dirigíamos e dependíamos dos pais para nos levar e buscar quase sempre.

Ele formou um ótimo conjunto, OS CATEDRÁTICOS, e quando foi para os USA compôs e fez arranjos só para feras. É respeitadíssimo lá e aqui. E eu tive o prazer e orgulho de conhecê-lo lá no início.

Nos anos 60 continuei tocando em festas, reuniões, aniversários, bodas etc tanto sozinho como em conjuntos musicais, o que era cansativo pois nessa altura já estava trabalhando e, na época, havia expediente aos sábados, de 9 ao meio dia. Sair de uma festas na sexta de madrugada não dava nem para dormir.

Percebi, entretanto, que assim como aconteceu no “boom” dos anos do acordeón, os melhores e mais procurados conjuntos de baile na época tinham como base um no órgão eletrônico. Assim eram o Ed Lincoln, Steve Bernard, Djalma Ferreira, D’Angelo e até o Armando do Solovox, que não era um órgão mas era um teclado pequeno, ligado a um amplificador, que imitava alguns sons de Órgão.

Daí, em 1972 eu resolvi aprender a tocar órgão eletrônico. Vi um anúncio no jornal de um Diatron usado e fui ver o aparelho no dia seguinte. Era um instrumento em muito bom estado, de propriedade de um músico de instrumento de sopro. Seu nome, Guilherme Dias Gomes. E foi na casa de seus pais, na Epitácio Pessoa, que eu fui, vi, gostei e comprei meu primeiro órgão eletrônico.  Além de ter a oportunidade de conhecer os pais do Guilherme, o casal famoso Dias Gomes e Janete Clair.  

No dia seguinte levei o órgão, um amplificador enorme e duas caixas de som maiores ainda, para meu apto. em Ipanema. Quase não coube na sala.  O próximo passo era achar um professor.

Lembrei do Ed Lincoln, que conheci nos bailes da vida e em encontros pela noite e na Rádio Tamoio, onde ia aos sábados para um bate-papo com o Humberto Reis, na época Diretor Social do clube no Grajaú. Ali se reuniam músicos como o Rildo Hora, cantores como Sylvio Cesar e produtores musicais que iam divulgar suas novidades na esperança de serem tocadas no programa “Músicas na Passarela”.

Liguei para o Lincoln e ele me disse que só tinha um para indicar: René Terra.


                                Com o Prof. René Terra, saudoso amigo


René, de professor virou amigo e me apresentou a muita gente do meio musical, com destaque para um que consegue reunir bom gosto e talento e transmite grande emoção com seu toque maravilhoso e seu repertório primoroso: Elvert de Mello Brandão. 

                                                
                                                Elvert Brandão, um crack completo


Elvert, tornou-se um de meus melhores amigos e até hoje nos falamos quase diariamente por telefone.



Depois de um rápido aprendizado em menos de um ano já estava me apresentando sozinho e levando o instrumento para onde fosse necessário. Até nisso o René foi importante porque me indicou uma turma que fazia transporte e montava o órgão e as caixas o que me facilitava muito porque saía cedo de casa e às vezes ia do trabalho para as festas. Lá chegando estava tudo preparado. Era só ligar o instrumento e a bateria eletrônica.

A identificação do repertório era fundamental para o sucesso do evento, porque variava muito conforme a natureza da festa. Se era dançante, se era um cocktail, se era uma recepção de casamento ou bodas, se a platéia era animada ou mais de conversa, se gostavam mais de sambas ou música americana. Mas com quinze minutos ou menos dava para sentir qual o caminho a seguir... infelizmente havia ocasiões em que ouvia coisas do tipo: “toca aí um sambinha pra animar”,  ou então, “voce sabe tocar discoteca!!!”

Além de minha admiração pelo músico maravilhoso, devo ao Elvert a indicação para substituí-lo, em suas eventuais ausências e, mais tarde, em suas férias, no Restaurante do Country Clube do Rio de Janeiro.

Fui muito bem recebido e aceito pelos sócios, que já há muito eram clientes dele em suas festividades, mas que quando ele já tinha algum compromisso agendado, passaram a me chamar. Com isso, em pouco tempo passei a ser contratado todos os meses e para eventos importantes inclusive em empresas.

Através do Elvert conheci outros ótimos músicos, como por exemplo o mineiro Célio Balona, que abaixo aparece conosco em ocasião muito lembrada quando me visitou em casa.


Célio Balona e Elvert em visita ao meu apto no Jardim Oceânico

Nos meses de janeiro e fevereiro cessavam as festas e eu levava o órgão para Petrópolis, onde tinha uma pequena casa, no Valparaíso, e  lá aconteciam grandes saraus com amigos.

Um dos frequentadores dessas reuniões era o Luvercy Fiorini, arquiteto, poeta e compositor, parceiro do Oscar Castro Neves, cuja família também era de Petrópolis.


                                     Amigo e parceiro de tênis, Luvercy, com sua mulher Elanir.


Luvercy, autor de “Onde está você”, “Menina feia” e “Morrer de amor”, entre outras, foi outro grande amigo que fiz lá na Serra, junto com o Helio Banal. Ambos eram meus parceiros de tênis nas manhãs e tardes dos Clubes Petropolitano e Campestre de Nogueira.  Essa foto tirada em uma festa em Araras, na casa do Fernando Ramos, amigo e colega do Externato, onde o Luvercy aparece dançando com sua esposa Elanir, a "menina feia" da música, que absolutamente não era feia.

Nessa linda propriedade, que se chamava "Nosso Xodó", fazíamos também reuniões musicais, com piano e o talento de um dos maiores compositores brasileiros, letra e música, sambas e canções maravilhosas, William Blanco Trindade, o querido e saudoso amigo Billy Blanco (Tereza da Praia, Viva meu Samba, Sinfonia de São Paulo, Sinfonia do Rio de Janeiro, Pistom de gafieira, Se é por falta de adeus, Estatuto da Gafieira, Samba Triste, a Banca do Distinto, Camelô, Mocinho bonito, Não vou pra Brasília, Esperança Perdida, Se o Papai Fosse Eleito, Feiúra não é nada e a minha favorita: Encontro com a Saudade.


Billy Blanco, grande amigo e companheiro de viagens musicais

Mais adiante falarei muito de nossa amizade e de nossos encontros musicais e outras histórias.

Certa vez eu estava em Petrópolis e o Prof. René me ligou dizendo que havia sido sondado para fazer um casamento em Itaipava e, como não tinha como ir, havia me indicado.  Embora fosse minha época de “férias”, resolvi aceitar e fui antes visitar a casa onde aconteceria o evento.

Na saída recomendei ao pai da noiva que alugasse um gerador porque estavam ocorrendo apagões frequentes dada à sobrecarga que acontecia por causa dos veranistas.

Ele deve ter achado que não era necessário e meia hora depois de começada a festas as luzes se apagaram e a energia não voltou. Foi o cachê mais “mole” que ganhei na vida, só comparável ao do Reveillon do Copacabana Palace onde eu toquei piano com a orquestra somente de 11 a meia noite quando ao término da Valsa do Adeus começou o Carnaval. Daí pra frente só os sopros e percussão trabalharam. O pianista foi jantar e ficou assistindo a festa até o final.

Outra pessoa que o René me apresentou e foi muito importante nas minhas apresentações foi a Consuelo Villar.  Ela foi crooner do Chuca-Chuca (Chepsel Lerner), em sua época de maior sucesso, com um excelente conjunto dançante.  Ele tocava piano, órgão e vibrafone. Consuelo também apresentou-se na noite carioca em várias boates, cantando em várias línguas, embora só falasse português....  aaaaa

No tempo em que trabalhou com o Chuca-Chuca, ele lhe ensinou várias músicas judaicas e a ensinou a cantar no idioma original. Ela, que tinha um excelente ouvido e memória melhor ainda, nunca esqueceu das melodias e letras.

Na primeira ocasião que apareceu eu a convidei para fazer uma festa e, mesmo sem ensaio, arrasamos. Ela era uma cantora diferenciada, pena que não fez o sucesso merecido. Em pouco tempo nós dois estávamos sendo muito requisitados para animar festas de todo tipo e eu vi que precisaria de um baterista porque a eletrônica não estava atendendo mais. E o Bolão veio se juntar ao grupo. 

A filha de um amigo judeu, Roberto Usiglio, sabendo que eu já havia feito várias festas Bar-Mitzva e casamentos para conhecidos da colônia, perguntou-me se gostaria de fazer sua festa de casamento, na ARI, em Botafogo. Foi minha primeira apresentação em um salão de festas de uma sinagoga.  Um sucesso, tocando oiras e cançôes judaicas, sendo que "Jerusalém de Ouro" sempre foi minha preferida.

Tinha um bom instrumento e caixa acústica, mas faltava um microfone profissional. O melhor na época era o Shure, mas custava uma nota.

Fui fazer uma festa no Caiçara e tocava antes e depois do show do Mièle. Quando ele entrou e olhou pra minha cara disse: poxa cara, podia ser meu irmão... mas era mais pela barba, que era muito parecida.

No meio do show, onde ele gesticulava muito, imitava samurai etc, deixou seu microfone cair ao chão. Quando o show acabou ele estava chateado porque o aparelho tinha ficado com uma mossa imperceptível (mas que para ele era o suficiente para aposentá-lo). Foi aí que me mostrou dizendo que não ia mais usá-lo, ao que eu perguntei: e o que vai fazer com ele? Jogar fora. Se você quiser pode ficar com ele. Para resumir: até minha última apresentação, foi com aquele microfone Shure, levemente amassado, que a Consuelo cantou e que foi usado toda vez que havia necessidade. 

No início dos anos 80 eu já estava recusando clientes porque não aguentava trabalhar no BB e tocar quase todas as noites e  nos fins de semana a família nem me via depois das 18 horas. 

Lembro que entre os "selecionáveis" estava o José Carlos Leal, dono da Netumar, que também era amigo do René, e que me contratou para tocar no casamento de sua filha, na Av. Atlântica. Quando cheguei lá tive a grata surpresa de encontrar um dos meus primeiros ídolos na Música Brasileira. Dorival Caymmi. Ele foi extremamente simpático me deu a alegria de uma foto que está entre minhas favoritas.



Meu ídolo desde criança, Dorival Caymmi


Na mesma época, Consuelo e eu fomos animar o aniversário do Newton Ricque, dos Shoppings Iguatemi. Foi uma festa de celebridades. O Society todo presente com seu cronista maior, Ibrahim Sued. Jô Soares, outros globais e por último a grande sensação, Pelé, acompanhado pela Xuxa. 

Depois de muitos cumprimentos eles caminharam até o varandão com aquela belíssima vistas do mar, justamente onde nós estávamos nos apresentando. Foi então que o nosso olhar se cruzou e lhe cumprimentei levemente com a cabeça e ele sorriu e se encaminhou vindo ao nosso encontro. 

O Ribas, espanhol baixinho que era o fotógrafo do Ibrahim, não perdeu tempo e bateu duas fotos que guardo na minha coleção com especial destaque e carinho.



Consuelo e Pelé, a melhor tabelinha musical que fiz na vida


Outra ocasião especial foi o encontro com o Osmar Milito, excelente e famoso pianista, com quem a Consuelo trabalhou algum tempo na Boate Sobre as Ondas. Nós fomos assisti-lo em um restaurante no Jardim Botânico e ele, muito simpático, pediu-nos para dar uma canja, gíria que significa fazer uma rápida apresentação, o que sempre também significava um pausa para o profissional da Casa. 

A pedidos fizemos o "Dio como ti amo"... nunca esqueci da emoção que senti quando ao terminar ele veio e me deu um abraço. 


Com Consuelo e Osmar Milito no "Sobre as Ondas"

Mas a primeira e única vez que meu nome foi citado na Coluna do Ibrahim (embora com a grafia errada) foi por na reportagem de um casamento na espetacular residência do Jorge Brando Barbosa, hoje uma Fundação e que reproduzo a seguir:



                                    Yolle em vez de Youle, o importante é que saí na Coluna do Ibrahim


Naquela época, início dos anos 80, eu almoçava todo os dias no Clube Comercial do Rio de Janeiro, onde primeiro encontrava os amigos no Bar, chefiado pelo barman Camelo, e aguardava até ser levado ao Restaurante. Era uma mesa de colegas do BB e do Banco Central ao lado de uma que tinha o apelido de "Canavial", não por acaso... Eu tinha que trabalhar logo depois se ficava tomando sucos de tomate ou água mineral. E numa quinta-feira, não lembro de que mês, entrou no Bar uma figura muito conhecida da época em que a Noite Carioca era uma das coisas mais faladas e badaladas de todo País. Entrou, cumprimento a todos e dirigiu-se à nossa mesa, onde havia amigos seus de muitos anos. Fui apresentado a ele como colega (imagina). Disse meu amigo Heitor Almeida: Esse aqui é o Ronaldo Youle, meu colega de banco e pianista.  Eu fiquei sem graça porque perto dele eu era um simples tocador de piano. Foi assim que conheci Sacha Rubin. Mesmo grisalho e aposentado era uma figura ímpar e tinha um magnetismo incrível. Com seu sotaque carregado, que nunca perdeu, me deixou à vontade e me fez um convite: "apareça logo mais no Le Relais. Acabei de chegar de Nogueira, onde estou morando, e a partir de hoje vou me apresentar todas as quintas-feiras no bar daquele restaurante do Leblon, a convite do meu grande amigo Luiz Vieira Souto. É lógico que aceitei e daquele dia em diante começou uma nova fase na minha carreira musical. 




                            Sacha Rubin, referência da Noite Carioca dos anos 50 e 60

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