TEMPOS DE MÚSICA - PARTE 3

 

A narrativa continua após o convite que o Sacha me fez para assistir à sua estreia no Le Relais, em 1980.

O restaurante havia se mudado, para a mesma rua, General Venâncio Flores, e a nova sede imitava um grande chalé suíço, 

O novo prédio tinha um bar no andar térreo e o restaurante no piso superior. Toda estrutura era de madeira aparente o que, além da beleza, proporcionava uma acústica formidável. Sofás, banquetas e cadeiras forradas em um lindo couro castor e um piano bem em frente à porta principal onde então o Sacha se apresentaria.

Sentei-me no lugar mais próximo ao piano e fiquei curtindo, vendo e ouvindo aquela lenda viva passear por um repertório que me trazia à memória tudo que eu mais gostava e pensando como teria sido a vida se eu tivesse seguido meu coração e me tornado  músico profissional.

Fui apresentado ao proprietário, anfitrião e amigo da maioria dos frequentadores. Luiz Vieira Souto era um bonachão, coroa alto e forte, um pouco barrigudo, sorriso largo e risada franca.

Foi logo me deixando à vontade e querendo saber de onde era amigo do Sacha. Eu lhe disse que era apenas um grande admirador e que aquela era a primeira vez que o ouvia tocar porque na época do Vogue, boate Sacha e Balaio, por ser menor de idade, não conseguiria entrar, nem que quisesse.

Foi então que o Sacha disse que eu era um “Garroto” e daí então até o fim de seus dias era assim que me chamava.




                                          Sacha de volta à noite, no Le Relais, 1980

A noite foi passando, muito whisky rolando (ele só bebia com água gelada) e lá pelas tantas olha pra mim e diz: “Garroto, senta aqui e toca um pouco porque eu tenho que ir ao banheiro e a música não pode parar”.

Naquele momento foi traçado o destino musical dos anos seguintes.

Eu me sentei, dei um sorriso e comecei a executar “Manhattan”, que era o prefixo musical do Sacha. Ele sorriu e fez sinal positivo e lá se foi.

Quando voltou parou em uma mesa para conversar um pouco e eu lá procurando manter seu repertório e atendendo alguns pedidos.

Cerca de meia hora depois ele reassumiu e me agradeceu a “canja” e a noite continuou até de madrugada.

Daquele dia em diante o programa das quintas-feiras era almoço no Clube Comercial e Piano Bar à noite, seguido de jantar no Le Relais.

A cada quinta-feira ia mais gente, amigos contavam para amigos que o Sacha estava de volta, saíram algumas notas nos jornais e o Vieira Souto ainda fazia uma propaganda nos fins de semana nas praias cariocas.

Antigo oficial da FAB ele ainda pilotava e havia comprado pouco antes dois aviões T6, aqueles da primeira Esquadrilha da Fumaça, e convidava antigos companheiros para voar nos fins de semana e dava umas piruetas perto das praias da Zona Sul.

Pintou o nome “Le Relais” nas asas e com isso seus antigos colegas e amigos lembravam o restaurante e acabavam aparecendo lá. E ele aproveitava para avisar para que voltassem na quinta-feira porque o Sacha estaria lá.

Logo depois foi chamado para se apresentar eventualmente o antigo pistonista da boate Sacha, Barriquinha (Edgar Cavalcanti). Sacha e ele se entendiam pelo olhar e em uma das canjas que dei pedi que ele fizesse um solo de “What’s new”, uma das músicas que mais gosto. Fiquei só dando acordes e deixando que ele solasse à vontade, primeiro em surdina e no final abrindo aquele som sensacional de pistom.


                                                      Eu e Barriquinha... What's New




                                                    

                             Na noite do Le Relais, com Sacha e Barriquinha, fotos autografadas


E as semanas foram se sucedendo, as noites ficando cada dia mais gostosas e eu continuando a dar minhas canjas.

Nesse meio tempo fui conhecer a casa do Sacha em Nogueira. Foi um encontro maravilhoso. Sua casa era muito agradável e confortável e ele e sua mulher ótimos anfitriões.

Aqui vai uma foto dele que ninguém tem, no conforto e intimidade de sua piscina:



                                            Sacha em sua piscina em Nogueira


Naquele dia ele contou muitos casos sobre sua carreira e trajetória na música, desde sua cidade natal, Viena, até os dias de então. E depois sentou-se ao piano e tocou algumas de suas canções favoritas: Manhattan, Que reste t-il?, Red roses for a blue lady, Night and Day e outras do gênero.



                                                     Sacha e eu, em Nogueira


Depois tive o privilégio e prazer imenso em dedilhar aquele teclado.



                                                 Em Nogueira, na casa do Sacha


Já haviam se passado poucos meses desde nosso primeiro encontro até que uma certa noite ele me fez uma proposta.

Disse ele: "Garroto, eu comecei na semana passada a tocar aos sábados no Restaurante Le Moulin, lá na Serra. Fica na Estrada que vai para Juiz de Fora, perto da entrada para Itaipava e Nogueira. Muito perto de onde eu moro. Um casal amigo, proprietários da casa,  vem me pegar e depois levar em casa.  O problema é que fui convidado, e aceitei, tocar na sexta-feira da próxima semana no aniversário de um grande amigo em seu apto. em Copacabana. Eu acho que vai ficar muito pesado tocar aqui na quinta, na sexta em Copa e no sábado ir cedo para Petrópolis para me apresentar à noite no Le Moulin. Como não quero e não gosto de faltar aos compromissos que assumi pergunto se você topa revezar comigo na sexta-feira, no aniversário, e isso, e além de me aliviar ainda daria chance de eu conversar com outros amigos que há muito não encontro."

Topei na hora e assim fizemos e tudo correu muito bem.


                                        

                                    Festa em Copacabana, Sacha cercado de amigos e
                                    eu aguardando o momento de revezar com ele.


Entretanto o Sacha me pareceu mais cansado do que de costume e quando fui levá-lo, lá mesmo em Copa, ao apto. de seu primo, onde ele pernoitava quando vinha ao Rio, fiquei preocupado com sua aparência e lentidão.

Infelizmente, no domingo o Vieira Souto me telefonou para informar que o Sacha havia tido um infarto durante a apresentação da véspera no Le Moulin e desfalecido em cima do piano.

Foi um choque. Embora nos conhecêssemos pessoalmente há pouco tempo, sentia por ele grande carinho e amizade e a notícia me abalou muito.

No início da semana fomos tendo notícias que ele estava muito fraco mas, dentro do quadro de idade e outras comorbidades, estava até se recuperando bem. Mas sem nenhuma expectativa de descer a Serra e muito menos tocar à noite.

E aí o Viera Souto me fez um pedido para que nas quintas-feiras seguintes fosse ao Le Relais e substituísse o Sacha até que ele, caso realmente ele não pudesse voltar,  conseguisse outro pianista, e  inclusive me pediu para que eu recomendasse alguém.

Entretanto não consegui êxito porque os poucos que eu considerava em condições para assumir  o seu lugar, estavam contratados pelo menos até o final daquele ano.

Resolvi então permanecer ao menos esse período, porque era sempre muito prazerosas as noites, ficar, o Luís me deixava à vontade e  gostava imensamente do nível dos frequentadores e do ambiente.  Apesar disso avisei-o que continuaria a procurar alguém pelo menos pudesse assumir em 1981 até o início do ano porque em janeiro eu tiraria férias no BB e certamente iria viajar com a família. Assim combinamos.

E assim foi o tempo passando.

No dia 4 de outubro de 1980 eu completei 40 anos e como cairia em um sábado o Vieira Souto me deu a ideia de comemorar a data no Bar do Le Relais.  A casa ficou cheia de amigos e familiares, e eu só lamento ter perdido no meio de tantas mudanças, quase todas as fotos da ocasião. Mas lembro que um par de meus compositores favoritos lá estavam cantando e se divertindo: Braguinha e Billy Blanco.


                                                        
                                                            Braguinha e eu no Le Relais

Em novembro um dos clientes, um holandês muito simpático, se aproximou e pediu para falar comigo no primeiro intervalo.  Ele era amigo do Chico, figura conhecidíssima entre pianistas e organistas, porque trabalhava na Casa Milton Pianos.  O Chico já me havia falado sobre ele e contado que tinha um hotel no Arraial da Ajuda, perto de Porto Seguro, na Bahia.


                                        Chico, quando me visitou em NY em 1988.



A conversa foi rápida e direta. Ele me perguntou se eu me interessaria em passar 2 semanas em janeiro, no seu hotel “Aldeia do Sol” e a proposta incluía ajuda de custa para a viagem, com pernoite em Vitória, para toda a família, esposa e 2 filhos pequenos, e um cachê muito bom para tocar uma hora durante o almoço e outra hora depois do jantar.

A família gostou da ideia, eu gostei da proposta, e consegui um amigo pianista, Emivalde Oliveira, para assumir o posto no Le Relais.


                                     Emivalde Oliveira, foto em minha casa em NY


No início de janeiro parti com a família para a Bahia e pensei que no retorno voltaria a me apresentar somente em eventos, festas e reuniões, e eventualmente dar canjas no Le Relais.

Mas o destino me reservava outro enredo.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog