TEMPOS DE MÚSICA – PARTE 4
Quando retornei do Arraial da Ajuda o Luiz me
ligou e disse que queria conversar comigo lá no Le Relais e me fez um convite
para que assumisse o lugar de pianista do bar da Casa em caráter permanente mas
que além das quintas-feiras também incluísse os sábados.
A proposta financeira era interessante e eu aceitei com uma
condição, ou seja, a que se eventualmente eu fosse contratado para um evento em
um desses dias, poderia indicar um substituto, de comum acordo. Essa situação poderia ocorrer até 2 vezes por
mês. Com isso preservaria minha liberdade para atender a uma gama já bem
considerável de clientes, e nesses casos, o “cachê” era bem melhor.
Essa minha passagem pelo Le Relais foi de 1981 a
1983.
Tempos de Le Relais e de muitas festas
Foram dois anos de muita música, encontros e
reencontros com amigos, colegas de colégio, músicos, novos conhecimentos e principalmente um acontecimento que, embora não tivesse o
desfecho que mais gostaria, foi uma oportunidade ajudar um amigo muito querido.
Já mencionei em um blog anterior, minha amizade
desde a adolescência, no Grajaú, com o Paulo Cezar Rodrigues. Estudamos juntos no Externato São José e
fizemos várias reuniões musicais, em sua casa ou na minha, e até em algumas
apresentações. Sua voz e repertório eram muito aplaudidos e ele era uma pessoa
muito alegre e educada. Nossas famílias logo ficaram amigas, nossos pais, a
irmã dele e meu irmão.
Paulo Cezar porém, assim com seu pai, que cedo
faleceu, desenvolveu uma doença grave nos rins, que foi piorando até que naquela
época em que me apresentava no Le Relais, já estava fazendo hemodiálise 3 vezes
por semana.
Mesmo assim, com sacrifício, ele ia até lá pelo
menos uma vez por semana, para se distrair um pouco e cantar, amadoristicamente,
sozinho ou em conjunto com outros clientes que costumavam “cercar” o piano e
fazer pedidos a mim e a ele.
Em uma dessas noites estava presente um grupo de
radio amadores do qual eu fazia parte, entre eles o Aloysio Legey, então
Diretor de Eventos da TV Globo.
Depois de muitas canções e elogios ele perguntou se
o Paulo Cezar nunca havia tentado ser cantor profissional. E aí tomou
conhecimento da condição de saúde que o limitava e inclusive havia sido a causa
de sua aposentadoria por motivo de
saúde. Sua sobrevida não seria longa a menos que conseguisse um transplante
renal.
Naquele mesmo instante ele foi enfático e muito
generoso. Disse: Vamos conseguir um doador para ele. Vou providenciar uma
chamada no Fantástico e poderemos fazer uma “externa” aqui no bar, com ele
cantando, e tenho certeza que conseguiremos.
Com a concordância do Luiz, menos de um mês
depois, em uma quinta-feira, quando cheguei ao Le Relais por volta das 19 horas
já estava um “caminhão de externa” da TV Globo com os cabos instalados, câmera
e microfone, iluminação e tudo pronto para a gravação.
A música escolhida pelo Paulo Cezar foi “Marina”, do Dorival Caymmi.
Combinamos que só ele apareceria no vídeo. O “take” começou com uma breve introdução em
que eles focalizaram somente minhas mãos no teclado do piano e em seguida o Paulo Cezar começou
a cantar. Colocou na sua voz toda a emoção que sentia naquele momento e ao
final estávamos todos muito emocionados. Daí ficamos ansiosos esperando a
versão final que finalmente foi ao ar no Fantástico do domingo da semana
seguinte.
Todos os amigos e os frequentadores do Le Relais
que conheciam o Paulo assim como o Luiz e nossas famílias ficaram ligados na TV
Globo naquele fim de semana.
O vídeo começava com minha introdução e logo após
ele terminar a canção entrava uma voz em
“off” dizendo “Esse homem vai morrer”. E uma breve descrição da situação de
saúde dele e o pedido para que voluntários se apresentassem oferecendo um rim
para salvá-lo.
Na semana seguinte foram mais de 200 contatos com
a TV Globo, gente de todas as partes do Brasil, de idades variadas, se
oferecendo.
Foi aí que começou a peneira. O sangue dele era de um tipo raro, AB, o que já eliminava 90% dos candidatos. Depois havia a questão da idade pois muitos
voluntários eram menores de 18 e com mais de 70 anos.
A cada domingo o Fantástico dava uma informação de como estavam prosseguindo os
testes na busca do escolhido.
Até que cerca de 3 semanas depois, chegaram ao
fim os exames e testes e um rapaz que morava em Niterói foi o escolhido.
Agora só faltava marcar a cirurgia.
Tomei conhecimento que ocorreria em um sábado
pela manhã, no Hospital Pedro Ernesto, no Boulevard 28 de Setembro, ali
pertinho do Maracanã. E quem me avisou foi o Dr. Nemen Jorge, nosso amigo e que morava no Grajaú,
na mesma rua que o Paulo Cezar, e que às vezes participava, como baterista
amador, de nossas apresentações em um dos clubes do bairro. Ele faria a
anestesia.
Falei com o Paulo na véspera antes dele ser
internado e o achei muito ansioso, o que era natural.
Na manhã do dia em que ocorreria a cirurgia ainda
estava dormindo quando o telefone bateu. Era o Nemen. Muito emotivo e triste
informou-me que a cirurgia havia sido cancelada porque o Paulo teve um pico de
ansiedade de madrugada e infartou, o que impossibilitou a realização do
procedimento do transplante.
Fiquei absolutamente chocado com a notícia, com
aquela sensação do náufrago que nada e vai morrer na praia, e imaginando como
estaria se sentindo meu pobre amigo.
Daí para a frente eu ia pegá-lo sempre que
possível na saída da hemodiálise na Casa de Saúde São Sebastião, no Catete, e leva-lo
em casa em Ipanema. Ela saía do carro meio trôpego. Mas quando tinha forças ia
ao Le Relais e ainda cantava conosco.
Sua sobrevida foi realmente curta.
Eu, Maria Tereza, Paulo Cezar, Norma e Fernando
Eu abraçando Reinaldo, Regina Monjardim e Paulo Cezar
Naquele mesmo ano, 1981, faleceu também o Sacha.
Fui visitá-lo no Hospital do Fundão e quase não o
reconheci de tão magro que estava. Entrei na enfermaria e passei direto por sua
cama e quando já ia mais a frente escutei uma voz fraca me chamar: “Garroto”.
Voltei e contatatei que ele estava quase irreconhecível. Trocamos algumas
palavras, ele muito fraco, e saí com a sensação de que era a última vez que o
veria vivo.
No dia seguinte o Luiz me ligou e informou do
falecimento dele.
Fim da história de uma figura ímpar e
importantíssima dos Anos Dourados da Noite Carioca, a quem, apesar de te-lo
conhecido durante pouco tempo, criei uma amizade, bem-quere, e ligação muito
forte, e a quem devo esse capítulo importante de minha trajetória musical que
foram os anos do Le Relais.
Notícia do JB sobre o funeral do Sacha. Eu sou o segundo à direita
Em 1983 minhas obrigações no BB começaram a
incluir viagens constantes para Brasília durante a semana e como minha
prioridade sempre foi a carreira naquela Casa, pedi demissão do Le Relais.
Consegui um substituto que conhecia o repertório
e poderia atender ao gosto da clientela e eventualmente passei a me apresentar
musicalmente apenas em eventos, de preferência aos sábados, e que não interferiam
com minha carreira principal.
Em 1984 houve uma grande mudança na cúpula do
Banco com o início da Nova República e a chegada do novo presidente, Sarney.
Por sorte e coisas do destino, continuei na
Chefia do Gabinete do Diretor de Câmbio, mas viagens para Brasília aumentaram e
aos poucos fui reduzindo ainda mais minhas apresentações profissionais.
Por outro lado, em todas as ocasiões em que nos
reuníamos, em eventos ou em reuniões sociais na casa de um deles, sempre que
havia um piano a noite acabava com todos cantando e até alguns dançando.
Até que numa festa de fim de ano, em uma linda
casa à beira do Lago Paranoá, em Brasília, o então presidente do BB, Camillo
Calazans, me fez um desafio para que eu tocasse 20 músicas com nome de mulher.
Eu só perguntei se poderia incluir músicas
estrangeiras. E como ele aquiesceu foi mamão com açúcar.
Amanda, Amélia, Ana Julia, Ana Luisa, Bárbara, Carolina,
Dolores Sierra, Dora, Doralice, Eva, Gabriela, Geni, Helena e “Helena, Helena,
Helena”, Geni, Laura (daqui e dos
States), Luiza, Madalena, Manuela, Maria (daqui e dos States), Maria Bethania, Maria
Maria, Marina, Ondina, Rita, Roberta, Tereza da Praia, e quando eu já estava puxando pela memória
para tocar a trigésima ele disse para parar e declarou-se vencido.
Foi então que surgiu a idéia de produzir um LP
para dar de brinde aos grandes clientes só com músicas com nome de mulher. E
assim foi feito. A área de marketing do BB escolheu doze títulos e contratou
artistas conhecidos como Pery Ribeiro, Tito Madi, Doris Monteiro etc e no ano
seguinte foi esse o brinde. O título do LP era “ Há sempre um nome de mulher”.
Mais uma relíquia que se perdeu nas mudanças da vida.
A última festa que fiz foi em São Conrado, no
apartamento de uma figura lendária na TV Globo: Joe Wallach. Era aniversário da
mulher dele e fui contratado juntamente com a Consuelo. Lá pelas tantas ele
resolveu homenagear a esposa e pediu que eu o acompanhasse na música que era a
favorita do casal: It had to be you. Só que ele era muito rouco e naquele dia,
talvez de tanto falar com os convidados estava ainda pior. O resultado é que foi quase uma apresentação
de mímica, porque a voz, embora com microfone, era quase inaudível e ele compensava
gesticulando. Hilário e inesquecível.
Depois, um dos convidados resolveu assumir o
microfone e cantou várias canções. Fernando Carlos de Andrade, na época famoso
e importante nas organizações Globo, mostrou seus dotes canoros assim como sua
mulher.
Na semana seguinte fui convidado oficialmente
para assumir um cargo gerencial na Agência do Banco do Brasil em New York e
nunca mais me apresentei profissionalmente.
Lá fora achei que não era adequado e na volta já encontrei uma outra
realidade, ou seja, as pessoas só davam festas com música mecânica, a chamada “discoteca”
a vários profissionais tecladistas, entre eles o maior de todos, Elvert
Brandão, e outros como o Roberto Lips, já haviam migrado para os playlists e
computadores... não era do meu gosto.
E assim, aposentado do BB e livre na praça fui
convidado a assumir a administração e finanças da Fenaseg e daí passei apenas a
dar “canjas” toda vez que solicitado.
Nesses mais de 30 anos de música eu conheci,
assisti e me relacionei com músicos excelentes, cantores e cantoras, fui a
temporadas de ópera, concertos e ballets, principalmente em New York, e vou
encerrar essa parte musical do Blog contando essas experiências.
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